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20/06/2018 - Everardo Maciel: guerra fiscal só existe quando competição por investimentos é contra a lei

Consultor jurídico e ex-secretário da Receita Federal afirma que disputa entre os Estados brasileiros é inevitável 

 
O imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) está no centro da chamada “guerra fiscal brasileira”. Ansiosos por atrair investimentos, os Estados vêm há décadas concedendo benefícios fiscais às empresas, de maneira unilateral, sem passar pela aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Embora estimulem o desenvolvimento regional, os incentivos exagerados podem gerar menos arrecadação por parte do governo federal, que tende a diminuir o investimento no serviço público. Editada em 2017, a Lei Complementar n.º 160 tenta colocar fim ao problema com uma série de mecanismos, mas seu sucesso ainda é incerto. 
 
Consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, Everardo Maciel falou sobre o tema em entrevista ao site do GBrasil. Com a experiência de quem foi secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002, ele diz que a competição pelos investimentos das empresas tem de ser pautada na legalidade, mas avisa aos que são contra a disputa entre os Estados: enquanto houver impostos, também existirão os incentivos fiscais.
 
Vemos uma competição mundial entre países para baixar impostos e atrair investimentos. Um dos exemplos disso é a política econômica adotada pelos Estados Unidos sob o comando de Donald Trump. No nível nacional, essa disputa também é inevitável?
 
Antes de tudo, temos de qualificar e distinguir competição fiscal lícita e competição fiscal ilícita. Guerra fiscal é a competição ilícita, contra a lei. A competição fiscal é algo que existe desde que os impostos existem e continuará a existir enquanto houver impostos. Sendo o imposto uma forma de intervenção do Estado na sociedade, ele é utilizado como instrumento para atrair investimentos, portanto, como uma ferramenta para promover o desenvolvimento local. A competição fiscal existe entre países, Estados, regiões, municípios. Isso é inevitável. O que não pode acontecer é algo que contrarie a lei ou os tratados internacionais, porque nessa condição se converte em guerra fiscal, em competição nociva. 
 
É preciso também destacar o seguinte: recentemente, os Estados Unidos, no âmbito do que foi chamado de “Reforma Trump”, reduziram as alíquotas do imposto de renda das empresas. Apesar de óbvio, é preciso chamar a atenção de que ninguém paga alíquota, paga imposto. O que eu quero dizer com isso? Que imposto é produto de alíquota por base de cálculo. É preciso verificar se a base de cálculo permaneceu a mesma, e a resposta é negativa, porque ela foi profundamente alterada, com efeitos diferenciados sobre as empresas. Em resumo, no caso dos EUA, a maioria das empresas vai ter uma redução de sua carga tributária. Muitas, não a maioria, irão pagar mais impostos. Portanto, não é algo simples. 
 
No Brasil, ao reduzir a alíquota, é preciso considerar que nós temos alguns outros instrumentos compensatórios extremamente valiosos e importantes, como os juros remuneratórios do capital próprio e a isenção da distribuição de resultados. O que conta é o imposto final a pagar, não a alíquota nominal. Um exemplo para um leigo: se eu digo que tenho uma alíquota de 20% e a base de cálculo é a metade, a alíquota efetiva é de 10%. Importa, portanto, saber qual é a alíquota efetiva, que não se dimensiona pela simples observação das alíquotas nominais. 
 
O senhor já fez a diferenciação entre guerra fiscal e competição e apontou a primeira como nociva. No âmbito interno, a segunda é salutar para a economia do Brasil?
 
Sobre a utilização do ICMS como instrumento de competição fiscal lícita, há alguns que são contra, e outros, a favor. Em lugar de entrar nesse debate puramente abstrato, eu dou uma olhada no artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, letra g, da Constituição Federal. Lá se diz que lei complementar vai disciplinar a concessão de isenções, benefícios e incentivos fiscais no âmbito do ICMS. Logo, a Constituição já prevê isso, então, não há o que se discutir. Além do mais, não se trata de uma aberração.
 
A Lei Complementar n.º 160/2017 é um passo na direção certa para regulamentar os incentivos de ICMS? Ela fortalece o Confaz?
 
Eu não faria a lei da forma como foi feita, mas tenho que reconhecer que é um passo na direção certa. O Confaz já tem força suficiente, a lei apenas lhe confere uma competência a mais. Apesar disso, é bom que se diga que o Conselho não existe formalmente. Existe reunião dos secretários de Fazenda, mas o Confaz nunca foi criado. Quem tiver a curiosidade, procure saber qual é o CNPJ do Confaz e terá uma surpresa [risos].
 
A tributação do ICMS no Estado onde o produto é consumido, e não no qual é produzido, poderia ser uma solução para a polêmica do ICMS?
 
A competição fiscal por ICMS consiste em uma operação interestadual para o remetente não pagar imposto integralmente. Entretanto, o crédito do que foi pago (ou não) é reconhecido no Estado de destino. Se tenho uma alíquota de 12% e só recolhi os 6 pontos porcentuais, no destino ele vai reconhecer como 12%. A competição fiscal do ICMS ganha concretude na operação interestadual. Se é tributado apenas no destino, significa dizer que a alíquota é zero e, se é assim, não tem incentivo, porque um porcentual de zero é, obviamente, zero. Defender isso é uma forma envergonhada de dizer que se é contra incentivo. O que eles estão dizendo, na verdade, é que não querem incentivo fiscal, a despeito da Constituição permitir. 
 
O segundo ponto a ser levado em conta são as consequências do princípio do destino. Imagine, por exemplo, uma empresa que seja uma atacadista com um volume muito grande de operações interestaduais. No fim do mês, ela terá um volume grande de créditos acumulados. Os que defendem isso dizem: “peça restituição dos créditos acumulados”. Todos os contadores sabem que o pedido de restituição é uma tarefa, no mínimo, dificílima, quando não impossível. Desse modo, a adoção do princípio do destino, ao menos para as empresas atacadistas com grande volume de operações interestaduais, implica quebrá-las em curto prazo. 
Além disso, vai aumentar muito o estímulo à sonegação, convertendo em interestaduais as operações internas, porque não vai pagar imposto, mesmo tendo ocorrido a operação. Isso é o que se chama de “carrossel”. É uma sonegação bem tipificada, conhecida. Não esquecer que sonegação é um fenômeno oportunista: se foram dadas condições, ela vai existir.
 
A Reforma Tributária e a Reforma Fiscal são imprescindíveis para que haja um desenvolvimento econômico mais justo. Que tipo de governo será capaz de implementar essas reformas?
 
O que é uma reforma? É quando tenho uma situação bem conhecida e que gostaria de mover em relação à situação idealizada. “Isso que estou vendo não gosto, quero outra coisa.” Para sair dessa situação, tem milhões de caminhos, e acontece que alguns desses podem resultar em uma situação pior do que estava antes. Então, Reforma Tributária não é um conceito definitivo nem inequívoco. É um conceito abstrato.  Quando alguém me pergunta se vai haver Reforma Tributária, pergunto: qual reforma? A maioria das reformas que saem circulando por aí é algo, diria, pífio ou ingênuo. O primeiro erro é que esse desenho idealizado não vai bater com nada com o que seria aprovado lá na frente, porque quando um assunto desse é 
debatido no Congresso, sujeita-se a um conflito monumental de interesses e razões. Provavelmente, o desenho final será uma caricatura do que foi pensado. Para resolver algo, é preciso partir do problema para a solução, não da solução para o problema. 
 
A unificação dos vários tributos sobre o consumo no Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) é uma ideia ultrapassada?
 
É uma agenda do século passado. É discutir com os faróis voltados para trás. O IVA não sabe lidar com a economia digital, que é para onde caminha o mundo. Nós vivemos num mundo de extrema mobilidade, onde os sistemas têm de ser, permita-me usar a expressão, resilientes, profundamente adaptativos, dinâmicos, e não centrados em soluções estáticas como o IVA. 
 
Então, ter um IVA para quê? Se há um problema de acumulação de crédito, devemos identificar os problemas e ver como resolver. Uma reforma assim, disruptiva, só acontece em momentos de pós-guerra ou outros ventos igualmente dramáticos. 
 
O brasileiro paga imposto demais?
 
Não paga muito nem pouco, paga exatamente aquilo que as despesas demandam. Quem determina a carga tributária não é imposto, é despesa. Se alguém quer reduzir a carga tributária, corte despesas, senão a conta não fecha. Caso contrário, isso será feito com títulos, ou seja, simplesmente acontecerá a transferência da responsabilidade da atual geração para as futuras. Se eu não pago, meu filho é quem vai pagar. Isso é o que acontece quando há o endividamento público como forma de financiamento de despesas.  

* Esta entrevista foi realizada com a colaboração da Agenda Contábil, membro do GBrasil em Brasilia-DF.
 

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